Deficiente visual se emociona com a classificação do Cruzeiro, no Mineirão
Wolney Riquetti tem 44 anos, mais da metade deles vividos sem a visão. Mas a deficiência não o impediu de viver, presenciar e sentir, na noite da última quarta-feira, as emoções que um estádio de futebol pode provocar numa partida decisiva . Além de comprovar a força da torcida celeste no Mineirão, o torcedor comemorou muito a sofrida classificação do Cruzeiro para as quartas de final da Libertadores, após vitória sobre o São Paulo na disputa de pênaltis por 4 a 3 – no tempo normal, a Raposa devolveu o placar de 1 a 0 a favor dos paulistas no jogo de ida. Foi uma sensação inédita, já que Wolney e seu pai, Francisco, de 77 anos, estiveram juntos no Mineirão pela primeira vez. E a dupla mostrou que é pé quente.
Apesar de não enxergar quase nada, devido a uma retinose pigmentar, doença hereditária que ao longo dos anos causa a degeneração da retina do olho humano, Wolney não apagou da memória a cor azul.
– Meu pai me ensinou a ser apaixonado pelo Cruzeiro. Ele me ensinou isso desde criança e eu quero passar para meu filho. É muito bom estar aqui, para assistir um jogo ao lado dele.
A visão reduzida fez outros sentidos ficarem mais aguçados. À medida em que se aproximava do Mineirão, a ansiedade aumentava e Wolney começou a notar os diferentes sons nos arredores do estádio.
– Olha, eu posso pensar que são três coisas: ou é água, ou são aplausos, ou é fritura. Mas acho que é água, me parece um chafariz. Legal. Isso não tinha no Mineirão antigo, nesta área era só o estacionamento.
Até chegar ao local na arquibancada onde iriam ficar, muita caminhada. Se dependesse de Wolney, o trajeto seria ainda mais longo. O cruzeirense saboreava cada metro, cada grito dos torcedores. Ao passar pelas catracas, mostrou uma desenvoltura impressionante, mas foi ao subir para as cadeiras que o coração bateu mais forte.
– É muita emoção. Isso aqui me remete ao tempo em que eu vinha ao estádio, via bandeiras, as torcidas em lados opostos. Cada vez que chegamos mais perto, a gente sente a torcida cantando mais alto. Muito emocionante.

No entanto, as percepções logo se transformaram em tensão. Bastou o árbitro apitar o começo do jogo para Wolney mudar sua feição. Ele reclamava, gritava e cobrava, mas acima de tudo, aplaudia muito. O gol demorou, mas veio na segunda etapa sob a profecia do pai Francisco.
– Levanta aí, que agora você vai festejar o gol.
Logo em seguida, Mayke achou Leandro Damião, que empurrou a bola para o fundo da rede do goleiro Rogério Ceni. Festa no Mineirão, e Wolney não conteve a emoção. O placar de 1 a 0 se arrastou até o fim da partida, dando início a um drama: a disputa de pênaltis.

– Agora nós vamos ver quem é melhor. Mas eu confio no Cruzeiro, confio no Fábio. Acho que ele vai pegar dois pênaltis.
Durante as cobranças, a tensão alcançou níveis jamais imaginados por pai e filho naquela noite. A cada gol do Cruzeiro, um grito de felicidade. A cada gol do São Paulo, palmas para motivar o time. Até que Fábio defendeu o pênalti de Luís Fabiano e Wolney foi à loucura.
– Fábio! Fábio! Eu falei, eu falei. Fechei os olhos e sabia que você ia defender – lembrou o torcedor, que comemorou bastante o término das penalidades após o arremate de Gabriel Xavier, garantindo a vaga do Cruzeiro nas quartas de final da Libertadores para encarar Boca Juniors ou River Plate.
Após a partida, Fábio soube da história do torcedor e tomou uma atitude impressionante. O goleiro do Cruzeiro fechou os olhos, como se quisesse sentir o que Wolney sente.
– Eu tenho muitos amigos deficientes visuais, sei que é uma dificuldade muito grande. Mas eu acho que Deus abençoou ele naquele momento, agradeço muito pelas orações.